os dois corpos ali, parados quietinhos, só o som que cruza o caminho dos ossos no vai e vem de botar ar pra dentro e pra fora, só isso. a mão subiu pelo pescoço pra encontrar os cabelos. nada daquilo parecia verdade, tinha cheiro de sonho inclusive e um ar quente que pesava em volta, como neblina, como açúcar queimado. suor de um dia todo no encontro do outro, no sabor do outro. era um lastro de festa e gosto de sal, cheiro de gente tomando a casa e eles não se sabiam mais separados. ergueu os olhos e bateu a mirada nas duas pedras pretas que o encaravam, profundas e sem nenhuma barreira. tinham cruzado a ponte que separa a gente dos outros. o muro que cobre o que cada um esconde cedeu com a chuva do encontro. nem eles sabiam como, mas agora, no fim da tarde, no fim do tempo que tinham, avaliavam os estragos da tempestade que criaram. era muita coisa pra absorver. o tempo, a falta, o gozo, a teia grande que prende o inseto e sequestra o ritmo do mundo. tinha gosto de fim aquele olhar e isso preocupava, mas também resolvia. confuso. tremiam os dedos presos nos dedos. depois de um longo tempo em silêncio, a força da pele entrou em movimento e do ar feito mágica brotou uma folha clarinha, sem flor, sem caule, só folha, era verde e clarinha. tinha os veios fracos, mas era possível ver que estava viva. caiu devagar sobre eles e colou nos dois, entre os ombros de um e o pescoço de outra. o fim da troca era já, mas agora estavam brotados. eram caules da folha, raízes cheias de lembrança. podiam seguir seus caminhos, talvez jamais tecer outra tempestade, mas sabiam da planta. sabiam da folha surgida do ar. em dias de sol forte regariam com a memória e veriam nos veios fracos da folha tudo que tinham passado. passado. passado.
sexta-feira, 10 de março de 2017
a folha
os olhos no chão e a mão nos dedos dela.
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