segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

ao contrário

Nenhum tapete de mundo pode calçar a tua porta. É tão selvagem teu ser, com tanta raiva incabida, teu jeito de ver a vida de cima do temporal, que nem teus pés querem chão, que nem o pó que ainda mora por sobre as faltas do agora quer te cobrir por ter medo. 
É tão difícil te ver e segurar na minha mão essa vontade do pulo, a tua cara de orgulho varrendo a festa com os olhos. Me ponho quieto de espanto, me oponho ao que quero tanto, porque é demais o que peço, esse vazio de estar perto é como mar no deserto. É do avesso o inverso. É um ateu com seu terço rezando pra não ter fé. 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

processo inverso

Eu admiro aquilo que me foi velado. Nego as minhas suspeitas secretas pra poder continuar assim, calado. O que importa são os efeitos que os reflexos traem e não o que refletem, o vidro que cortou a tua boca é apenas um dos cacos que caiu do céu, chovia e a gente andava procurando estrelas. Lembro de como elas nos olhavam, lembro das suspeitas esvaziadas nas desculpas esfarrapadas. Cegou o caminho andar assim, atrelado as luzes que da terra viamos. Eu admiro aquilo que me foi velado. Nego minhas suspeitas indiscretas pra poder continuar assim, culpado. O que importa são as traições que os efeitos refletem e não o que caiu do céu, os cacos do teu vidro na boca esfarrapada chovem como gente e estrelas, molhando o que em nós procuramos. Olho para o que elas esquecem e esvazio o que lembro, admirando o velório daquilo que me foi tirado.

sábado, 29 de janeiro de 2011

indignada

e na praça da procissão, possessa por ser porção passou pelas primeiras pessoas pensando pecado.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

pequenices

Vinha de mansinho carregando uma caixa de sapatos cheia de pedrinhas de rio, cada uma com um poder que só a ele cabia. Salvaria o mundo, mataria o gigante que perseguia o povo da montanha, voaria no cavalo com asas rumo a lua pra resgatar sua amada, ligaria os dois mundos em um só criando um buraco no tempo, sopraria o mar pra longe pra descobrir seus tesouros, congelaria os leões pra brincar com seus filhotes.

Tudo isso antes de lavar as mãos e ir pra mesa. A mãe sempre ficava braba com as mãos sujas de terra na hora do almoço...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

enquanto a Morte não vem...

É a rua que me chama. Não tem jeito. Disposto a percorrer o vasto de toda a solidão, composto de segredos antigos e novas vontades, eu vou. É a rua que me chama. Não tem jeito. Minha fuga é a figa do pega-pega infinito que nós dois travamos. Vou me esconder no mundo. Conte até cem e nunca mais me procure. Eu, te esperarei por aí. Insólito e carregado de boas desesperanças e segundas intenções. É a rua que me chama. Não tem jeito. Sem escolha me perco nos domínios da estrada. Sigo até meus pés chorarem. Até sangrarem todos os sorrisos que eu encontrar no caminho. Até pousar sobre mim a única mulher que me quer pra sempre.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

meu primeiro doce

Se eu pudesse parar o instante e segurar o mundo
teu corpo seria parapeito, apoio da minha vontade
esse teu jeito menina, em mim ficaria fundo
no sempre da minha lembrança, tua dança, mansa.

Se a minha razão fosse hora eu perderia o relógio
perderia tudo, queimaria o tempo na fogueira dos lábios
entorpecidos de afagos, rápidos, corrosivos,
ácidos, nas luzes dos nossos olhos fechados.

No brilho dos teus metais meu sorriso se abre
entre o suor e teu cheiro, um segredo guardado
só do agora é o tempo do encontro dos nossos lábios

E se eu pudesse parar o instante eu deixaria o mundo
apoiaria teu corpo no peso do meu desejo
e voaria nas asas do teu nome. Pra sempre.

nunca tive muito tato com o sentir

Quero me livrar rápido, não sei degustar o que me chega intenso, não compreendo a espera do gosto. Sempre me disponho de outra colherada antes de engolir aquilo que me invade dentro. Não sou um bom sentidor, não sirvo pra sofredor, embora me coloque nesse ponto, quando antes de saber da paga já adivinho o preço. Adoro quando me perco. Quando erro o que aguardo sem calma. Na verdade me disponho a certeza do que não é certo, pra poder comemorar engano. Doce ilusão. Bobo sem tino de aguardo. Por isso quando me pega o que não posso negar, quando me adentra a saudade em segredo, eu, no meu movimento, assusto. Sem tempero, sem pergunta, jogo os remos n'agua e passo a usar as mãos. Um perigo pra quem não conhece o oceano. Confesso que já estive aqui, até sei quando a maré sobe, mas não queria derivar sozinho.