quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

água turva

da beira do rio não tinha a visão do outro lado. era uma imensidão que só. água barrenta, cheia de raiva. os olhos caminhavam pela espuma, adivinhavam  pedras e procuravam fora o que não se via dentro. o barulho era forte, som de rachadura, de quebra de acerto. som de fim de mundo.

respirava pesado, sem ouvir o peito. sentia medo, era isso. ou não, mas parecia isso. as coisas iam resmungadas da cabeça pro resto das partes daquele corpo cansado. tanta coisa, tanta coisa, tanta coisa!
tinha a absoluta certeza de que o tempo não resolveria nada. olha o tamanho do rio? tempo é pra seres imensos.

não sabia mas aquele rio era seu. era sua fúria. era seu rebento. jamais esteve em silêncio. rangia pedras, cortava a terra. calava o barulho dos outros. sua voz era imensa, seu teto era o mundo. não havia final nem começo, sua história era toda corrente. e seguia.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

raiva

sua face é aço
faca amolada no fio da navalha

minha carne é seca
rasteja entre os restos, represa das tripas

nossa cisma é a mesma,
quando encosto em teu rosto
meu bucho despeja

e no chão entre sangue, vísceras e ossos

duas peles de bicho
duas feras sem presas.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

pra descansar da vida [música]

senhora das conchas
pra quem entreguei
meu corpo marcado, crivado da lata dos homens da lei
senhora das conchas
lava o meu rancor
que corre e que pinta teu mar transparente salgado de dor
senhora das conchas
governa o meu ser
que antes de tudo meu corpo era mudo de pouco saber
senhora das conchas
sorriso de azul
na porta do sonho maculam de chumbo o meu corpo nu
janaína venha me ninar
deixa a espuma do teu mar me acalentar
janaína venha me ninar
em teu manto de areia corpo perfurado pode descansar.

sábado, 29 de agosto de 2015

rasteira

Prefiro rastejar com as serpentes. O corpo sujo de terra. Olhos enxergando o perto, horizonte baixo. Admiro muito um animal que não ande em linha reta.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

carnaval tem seus direitos.

As duas desciam as escadas pra ganhar a rua, ele olhou para os pés e viu pela primeira vez o quanto estavam sujos. A casa descansava em silêncio, precisava de um banho!

Enquanto recolhia as coisas ao seu devido lugar, pensou no tempo que uma história demora pra se formar, depois lembrou das festas que ainda estavam fresquinhas e da zoada toda que tinham feito juntos. Haviam tomado a rua. Tinham feito seu carnaval de água, trampo e cachaça. Por trás dos olhos cansados, um pedacinho de saudade caiu sem pedir. Logo outro, outro e mais um e mais um e mais um. Foi abrindo a corrente e aportou no quartinho, chorando e sorrindo. Cantarolando um samba sobre maracujá.

a porta [música]

O ponto do nosso encontro
Aponta sempre pra frente
É da terra a semente 
Que planta quer aflorar

Armamos nossos destinos
travamos guerra com a sorte
não a mais medo da morte
o amor cumpriu sua sina
nós dois sentados no tempo
e a porta abriu-se sozinha

A ponte trouxe a serpente
num arco as cores se abriram
e nas correntes da gente
é o mar que deságua no rio

Armamos nossos destinos
travamos guerra com a sorte
não a mais medo da morte
o amor cumpriu sua sina
nós dois sentados no tempo
e a porta abriu-se sozinha

Deixa entrar, deixa entrar
deixa entrar quem vem lá 




segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

sobre os dias que fazem buracos.



eu, exílio de ti
descuido e me corto
com a linha afiada das minhas palavras
descanso e me prendo 
com o peso do ponto no final das frases.
eu travo a passagem!
fecharam o porto das
lágrimas.

eu, exílio de ti
me isolo nas curvas
me encontro nas festas
mas sempre me pego:
tão prego, 
sem furo
tão tinta, 
sem muro
e é assim que me chega o desejo da volta,
ao saber que de lá já não vem tão sozinha
carrega a cidade e mais tantas maninhas
trás dentro de um mês cem anos de vez.
caminhou até o romper da aurora,
virou tripulante, 
marinheira de um barco tão lindo.

eu, exílio de ti
sou ilha e me calo.
diz tanto a  distância 
que muda meu rumo
não sei pra onde sigo,
mas sigo em silêncio. 
suspenso por dramas
suspensa essa cama
segura meu corpo tropeçado, 
confuso da falta do teu.

eu, exlio de ti 
espero

mergulhado na festa da nossa memória.