cedinho já, quase seis. acordou, botou água no fogo e sentou na escadinha da porta pro primeiro cigarro do dia. tragada lenta, fumaça pra cima. silêncio por dentro, cidade falando baixo. aquele era o seu maior prazer, sugar com força e ver o fogo consumir o cigarro enquanto a cabeça consumida de ideia descansava antes da correria. gesto pequeno de gente desimportante, amava ser desimportante, desconhecido dos outros passava invisível pelas ruas do bairro, mas dava um valor danado aos cachorros. lhe queriam bem os bichinhos. enquanto tragava fundo, curtia também as poucas memorias quentes, eram tão poucas que naquele tempinho da manhã passava todas na cabeça e podia sentir o calor da lembrança como sentia a brasa se achegando aos dedos. acostumou ao vazio. a vizinhança pensava que sua condição de solidão era desgostosa, sofrida, difícil. mas ele não. amar dava trabalho do peito pra dentro, e sempre matou bem mais que cigarro. agarrado aos poucos fios que sobraram dos laços afetivos mal cultivados tinha uns três ou quatro amigos com quem conversava, mas um só pra beber cerveja. um senhor mais velho que ele que falava que só. sabia ser bom ouvinte e apesar de nunca ter contado nada de sua vida, marcinho o considerava seu melhor amigo, irmão de copo. sede de atenção era do que padecia marcinho. mas nunca disse isso a ele, era bom ter alguém que o considerasse, dava um afago no ego. a chaleira apitou e ele levantou pra passar o café. o melhor momento do dia acabava, a chepa ia pro lixo, a fumaça pra cima e ele pro mundo. mundo que escolheu encolher pro tamanho do quintal, assim não assustava tanto. café forte na boca e a saudade pequena de uns dias vividos com as ideias diferentes. fim do copo tudo voltava, era o gosto do café que fazia a cabeça bagunçar. hora de ir pro trampo, bicicleta e chuva. mais um cigarro, esse sem o ritual primeiro parecia menos importante. gostava de coisas desimportantes. a cidade já acordada avisou que o dia ia ser cheio, fez um afago no bichano dormindo na calçada e seguiu pela rua rumo ao centro.
quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
terça-feira, 24 de janeiro de 2017
uma corrente de gente
quando a água corre forte por aqui varre tudo. limpa os caminhos, derruba barreiras, destrói o que não se molda a sua força. a gente chega no mundo sem saber vazar, fica preso na força das correntes que se achegam pela vida. é difícil. as vezes tem tronco, tem lixo, tem tanta coisa que é foda conter, difícil. é preciso aprender a vergar, como o capim teimoso que sobrevive a qualquer tempestade, como o jenipapo que não quebra quando dobra, que vira alma no bojo do peito. as águas sobem sozinhas, quando querem, como querem. é bom ter por perto alguém pra segurar na corrente, pra pedir colo. é bom ter por dentro fé pra aguentar o tranco. e se a água subiu sem avisar, amigo sigo aqui pra vazar com você. força pra seguir e a certeza de ter por perto, mesmo longe, uma corrente de gente pra segurar qualquer tempestade.