quarta-feira, 17 de maio de 2017

menino velho

as inicias marcavam a pele do menino. cor esverdeada no corpo moreno. um tanto quanto torta, a tatuagem na mão era a lembrança de uns dias de corre e brincadeiras com os menores. havia saído de casa a alguns meses, disfarçava bem a saudade. "chorar é coisa de gente fraca" era o que tinha dito pros dois irmãos mais novos no abraço da despedida. o do meio chorava de raiva, indignado com a partida do mano, o mais novo não entendia muito bem o que tava acontecendo, mas não continha o choro. na boca larga, com a janelinha recém feita, soluçava num pranto manhoso. aquele dia ficaria na cabeça do mais velho. caralho. pra que tanta manha? ele achava que não merecia a saudade. que os irmãos iam ficar mais tranquilos sem ele. achava que ia crescer na miúda, um passo de cada vez, pra voltar pra casa grandão, pra não precisar depender. pra não precisar obedecer. pra poder revidar os tapas do Luis. tinha ódio. sentia uma raiva da mãe que levou tempo pra passar, levou tempo pra ver que ela também não queria aquilo. longe de casa ficava mais fácil de olhar as coisas, como se fosse uma história em quadrinhos. saudades da escola. saudades de matar aula e ir pra biblioteca. tinha preguiça de ler, mas gostava de gravar os nomes dos livros e dos autores. se imaginava escrevendo um. "vai ser  cheio de desenhos, com uma história todinha rimada" o menorzinho gostava de dizer que tinha um mano escritor e desenhista. caralho de vida, nem papel tinha, a caneta que trouxe na mochila não escrevia em parede. que falta fazia pensar em casa. acho que vou voltar. mas ele tá lá! e daí? meus irmãos também. foda. fazer a correria no centro dava um troco, mas descontavam o de comer. a grana sumia antes de chegar na mão. o que ganhava dava pra um café,  mas não pagava o zarco pra visitar a mãe e os irmãos. a mãe. pensava nela todo dia. era uma dorzinha, mas andava crescendo. pensava nela todo dia. sentia frio e tremia de raiva. saudade do colo. saudade do tempo em que eram os quatro só. pensava nela todo dia. passavam um aperto danado,  mas sorriam todo dia. Luís era um demonho, um dia eu resolvo essa. que porra. quem ele pensa que é? trocar dinheiro por porrada. vou falar com os moleque. vou juntar uns chegado. ele vai ver. sentia frio e tremia de raiva. caralho, não quero isso não. saudade dos maninho. saudade de brincar na rua. amanhã eu volto, que se foda. eu fico de boa, deixo a mãe na tranquila. moro na tia. amanhã eu volto, faço um corre de celular ali na praça, viro uns crente do lado do terminal, ta foda, esse frio ta foda. amanhã eu volto. não quero chorar caralho. não quero chorar. amanhã eu volto. que merda, achei que ia virar por aqui. amanhã eu volto. porra! amanhã eu volto. amanhã eu volto. o cansaço venceu o corpo pequeno e embalou o menino num sono pesado, de vida pesada. na marquise abraçado ao cochalzinho que tinha dado conta de arranjar ele não tinha muito espaço pro corpo, nem pra sonho. acordaria em dia de quarta com o funcionário da loja lhe chamando pra sair dali. os desejos da noite passariam devagar com a vida no centro e o tanto de coisas pra se fazer na cidade. quem sabe amanhã virasse dele voltar? sei não. mas o menino seguia. a vida seguia e ele se erguia pra poder aguentar. era novo, mas já tinha uns dez anos a mais no jeito de olhar. menino velho, era ele que decidia seu passo. não tinha grana pra sapato, mas sabia por onde ia.

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